
[diálogos que se não existiram deviam existir]
no tribunal
— Deram-lhe então a escolher entre ficar sem a sua casa ou ficar sem a sua mulher, é isso?
— Sim, Excelentíssimo Juiz.
— Muito bem. E o que escolheu o senhor?
— Ficar sem casa, Meritíssimo.
— Porquê?
— Não queria ficar ao relento.
na escola
— O que estás a desenhar?
— A minha família, senhora professora.
— Mas eu pedi para desenharem o mundo.
— E foi o que eu fiz.
no hospital
— Vai então ficar com a pulseira verde, senhor doutor, e com o número 23.
— O que se significa isso?
— Significa que é um médico aprovado pelos utentes.
— Óptimo, óptimo. E o número?
— Estamos no número 21. Quer dizer que basta chegarem mais dois utentes e o doutor é chamado a consultar.
— Excelente, excelente.
— Espere só ali um pouco na sala de espera, por favor. Daqui a nada chamam pelo seu nome.
— Sim, claro. Obrigado.
na empresa
— Mandou-me chamar, chefe?
— Sim.
— O que se passa?
— Estamos bastante desiludidos consigo.
— Porquê? O que fiz eu?
— Confirma que hoje é o aniversário do seu filho?
— Sim, chefe.
— E confirma que é mesmo o senhor que está aqui, agora, neste momento?
— Sim, chefe.
— Não viu ainda a desilusão que nos causa a todos aqui na empresa?
— Acabei de perceber, chefe.
— Vamos ser forçados, como entenderá, a despedi-lo.
— Entendo, claro.
— Considere-se então despedido.
— Com certeza.
— Volte amanhã para ser readmitido.
— Assim farei.
A lógica é uma construção. Como a realidade, no limite, é uma construção. Ilógico é não questionar a lógica, não tentar perceber de onde ela vem, para onde é que ela vai, e sobretudo onde nos encaixamos nós no interior dela. O amor é a mais absoluta ilógica, e é só por ele que vivemos, ou queremos viver, pelo menos. Devia chegar isso para te fazer pensar — e amar, claro.
Nunca: adv. Expressão usada, amiúde, para libertar de pesos insustentáveis — e que, ironicamente, acaba por trazer pesos ainda maiores para carregar. Nunca sintas nunca.