
Não sabia o que fazer. Nunca ninguém sabe, na verdade, o que fazer. Todos vamos esboçando respostas a perguntas que nem sabemos que existem. Esta mulher não sabia, então, o que fazer. Estava diante de um momento definitivo — há lá algum momento que não seja definitivo?
Nada é definitivo, acabou de dizer Luísa Maria, a sua amiga de sempre. Para que servem as amigas de sempre?
Cá fora, à entrada do escritório onde as duas amigas se perdiam em divagações filosóficas, um homem como outro qualquer olhava para o interior de uma loja de automóveis — daqueles de brincar, claro. Chamava-se Guilherme e acreditava no amor à primeira vista: era isso, na verdade, o que estava a sentir por aquele Ferrari de tamanho médio que tinha na sua mão direita, na sua imaginação. Resolveu entrar para tentar a sua sorte, ou o seu azar, nunca se sabe de que massa é feito o momento. Entrou, de sorriso nos lábios e desejo por todo o lado.
Luisa Maria e a amiga, de quem ainda não sabemos o nome, continuavam no seu escritório, nas suas divagações. Até que uma delas, não se sabe ao certo qual, disse um nome.
— Guilherme.
Saiu-lhe assim.
— Guilherme.
Simplesmente assim.
— Guilherme.
Não seria nada de especialmente interessante, não fora dar-se o caso de ela, esta mulher (nenhuma das duas mulheres, para sermos mais concretos), não conhecer nenhum Guilherme. Nenhum. Nada. E no entanto:
— Guilherme.
Guilherme, o tal, estava já no interior da loja de brinquedos, que ele levava mais a sério do que a vida inteira. Ser criança é levar a brincadeira mais a sério do que tudo o resto, e nem assim deixar que a brincadeira se torne numa coisa séria — como se fosse possível viver em cima de um trapézio (e é: efectivamente viver em cima de um trapézio é a única forma de vida, o resto são sub-vidas, ou quase-vidas, ou vidinhas, ou vidinhinhas).
— Lamento, mas não.
O homem que o atendeu, que era também o homem que já o atendera dezenas ou centenas de vezes anteriormente, não estava com meias palavras.
— Lamento, mas não.
A vida começa sempre que alguém nos diz "Lamento, mas não".
Foi isso mesmo o que aconteceu com Guilherme.
Basta ler o que se segue para saber porquê — e como.
[fim]
Número: s.m. Medição, pura e simples, da quantidade. Ninguém é maior por ter mais ou por encontrar mais; apenas por procurar mais.