
Todos os anos, por esta altura do ano, regresso a um tema que magoa tanta gente desnecessariamente e, tantas vezes, por estupidez. Refiro-me à sinistralidade rodoviária.
Vão começar as férias e, com elas, inicia-se o grande movimento de pessoas durante os próximos três meses. Gente que chega de muito longe, gente que parte, milhares em trânsito por essas estradas à procura do abraço adiado, famintos de saudade. Outros, muitos milhares, partem para as praias. Vão e voltam. Os automóveis multiplicam-se, as filas de trânsito tornam-se gigantes, as horas passam, o calor aperta. A impaciência leva à imprudência. O álcool transforma a serenidade em euforia. É a mistura explosiva.
A maioria dos acidentes tem como base esta fórmula química: levantar os pés da realidade, idealizando o papel de herói do volante, e carregar no acelerador. Deixa de haver sinais de ‘stop’, os traços contínuos desaparecem milagrosamente, as ultrapassagens são fáceis porque naquele volante vai um ás e o carro voa para a vitória sem sentido. Muitas vezes, para a morte sem sentido.
No ano passado morreram nas nossas estradas cerca de quinhentas almas. A maioria absoluta pelas razões que atrás descrevi. E, de repente, as férias tornam-se num pranto. As cores garridas do verão, num luto inexplicável, a visita à praia passa a romaria ao cemitério, por uma estrada de lágrimas onde o sofrimento comanda as mágoas.
São demasiados mortos. Ainda por cima por causas tão estúpidas. Permita-me pois, caro leitor, que lhe escreva com os olhos cheios de memórias magoadas por tantos anos já idos e por tantos mortos desnecessários. Seja prudente. Não beba se for conduzir. Entre na estrada pensando naqueles que mais ama e nos outros que, noutros automóveis, vão ao encontro daqueles que mais amam. Faça destas férias o tempo sereno da alegria. O tempo de bonança. O Código da Estrada é para ser cumprido todos os dias do ano. Incluindo as férias. Para que o seu descanso tenha o prazer de regressar a casa, bem com a vida e longe da morte. Boas férias!