
Havia acabado de editar uma peça sobre a morte do bombeiro Gonçalo Conceição, o soldado da paz que lutou até ao limite das suas forças contra o fogo que engoliu Pedrógão Grande, e já estava focado no especial de informação que arrancava, às 21:56, na CMTV.
Sinto, confesso, uma tremenda dificuldade em conseguir manter a distância necessária quando se perdem vidas humanas.
Esta tragédia, as imagens cruas que continuam a chegar à redacção, os relatos de homens e mulheres a quem a tristeza profunda levou a alma, irão marcar-me para sempre.
Faltavam cerca de 15 minutos para entrarmos no ar quando o pivot José Carlos Castro fez questão de partilhar uma das experiências mais intensas da sua carreira.
Na altura com 26 anos, o jornalista foi destacado para fazer reportagem de um incêndio violento que fustigava a vila de Pampilhosa da Serra e aquilo que foi registado nunca mais se apagou da memória. Até mesmo o cheiro a fuligem, impregnado no corpo, que o acompanhou durante vários dias.
"Apesar de já ter chegado ao teatro das operações com os fogos praticamente controlados existem imagens que nunca mais irei esquecer." As palavras de José Carlos Castro, proferidas num tom sério, como que bloquearam o tempo e deram lugar a uma história que apenas se encontrava adormecida.
A queda de um avião de combate ao fogo e o contacto com dois corpos carbonizados- um idoso e um menor- junto à estrada, são imagens que se mantêm intactas na memória. "E o "ronco" da floresta, o barulho que se fazia sentir devido a alguns fogos que ainda estavam ativos é imponente e inesquecível", confessou.
As reminiscências de José Carlos Castro, à luz do que continua a ser hoje o flagelo dos fogos florestais, comprova que nada mudou.
As chamas continuam a ganhar a guerra perante a passividade de um governo, cujas responsabilidades, sobretudo em relação ao incêndio de Pedrógão Grande, jamais poderão ser escamoteadas.
É tempo de emergir, em consciência, uma política séria que acabe de uma vez por todas com o inferno na Terra.