
Havia uma mulher que abria as pernas como se abre a porta do escritório,
que pobreza,
àquela hora, à hora marcada, no dia marcado, na posição de sempre, com o homem de sempre,
as mesmas palavras, as mesmas sensações,
tão boas mas tão as mesmas,
o amor pode ser tão bom mas não pode ser tão o mesmo, sempre tão o mesmo,
amar como se fosse aspirar a casa, ou lavar a loiça,
amar quando passa a ser obrigação é obrigatoriamente uma merda,
e deixa de ser amar,
a mulher um dia decidiu que ia ser diferente,
tentou uma roupa interior nova, uma abordagem nova, algumas palavras novas até,
atirou-se inteira para o marido,
ou nos atiramos inteiros para o amor ou estamos a atirar-nos inteiros para um precipício,
o amor é no limite um abismo que nos salva do precipício,
e é ao mesmo tempo o precipício sem retorno,
nunca se volta do amor,
pelo menos com vida, com a vida que interessa viver,
mas a mulher fez aquilo ao homem, o homem gostou, foi diferente aquela noite, as pernas abriram, a vida abriu, só porque alguém se lembrou de fazer diferente, de fazer novo, de tentar outra vez a primeira vez,
o amor é sempre como se fosse a primeira vez, mas melhor do que ser como a primeira vez é mesmo ser a primeira vez,
amaram-se o tempo suficiente para ser inesquecível,
o que quer dizer que se amaram para sempre, digamos desde já para economizar palavras,
como ela, que agora aprendeu a economizar em tudo,
mas não em gemidos,
eu que sou o vizinho de baixo que o diga,
que não se dorme neste prédio há uns dias,
chiça.
Sadio: adj. Ir com tudo mesmo que com medo de perder tudo; ninguém que arriscou a felicidade deixou de ter pelo menos uns momentos de felicidade.