
Vincent Thomas, um dos mais importantes antropólogos que se dedicou ao estudo da Morte, no seu verdadeiro tratado 'L’Anthropologie de La Mort', faz uma história das guerras para demonstrar que, quanto mais os países se desenvolveram, sofisticaram o conhecimento, consolidaram culturas e identidades, acrescentaram saber onde havia desconhecimento, mais violentas e terríveis se tornaram as guerras. Contabilizando mortos, o séc. XX foi aquele em que aconteceu a maior mortandade de seres humanos.
Aparentemente é um paradoxo. Sociedades supostamente civilizadas, reconhecendo a dignidade humana e a liberdade como fundamentos da política, a racionalidade como primado das decisões, onde o valor da paz deveria ser um postulado reconhecido por todas as nações, maior é a crueldade que se desencadeia nos atuais teatros de guerra, quer na Europa, quer em África.
A conclusão de Thomas é a de que o Homem é o único predador que mata desnecessariamente. Todos os restantes animais matam por comida, para proteger as crias, para assegurar que o seu território de sobrevivência é seguro. Nenhum outro mata tão gratuitamente como nós. Como o mesmo antropólogo sublinha noutro ensaio, 'Mort et Pouvoir', existe a ilusão para os senhores da guerra que as demonstrações bélicas de poder funcionam como a garantia de que eles conseguem dominar a sua própria morte e, desta forma, vivendo a imortalidade.
Compreendo este juízo para sociedades primitivas. Não consigo entender que imortalidade viverá Vladimir Putin autorizando e aplaudindo a barbárie que alastra pela Ucrânia. Destruição de templos, de cinemas, de universidades, de teatros, de escolas, matando crianças, mulheres indefesas, numa verdadeira barbárie. No séc. XXI. Sei que não é o único predador. Na Síria, no Iraque, no Afeganistão, outros profissionais do terror vão produzindo vítimas em catadupa.
Como pode gente deste calibre, tão cruel quanto brutal, dormir tranquila, depois dos seus generais lhe darem novas das batalhas, explicando que mataram crianças?