
É sabido que a luta contra a violência doméstica vai ser um combate de longa duração. Deram-se alguns passos importantes ao longo das últimas duas décadas, embora lentos. Sabe-se que estamos a mexer no magma mais profundo da longa duração da História e com a exigência de colocar a condição da mulher no patamar da igualdade de género. Uma luta áspera, complexa, que afronta o poder multissecular masculino. São relações de poder, de propriedade, de educação para a submissão e para a servidão. Pouco tem a ver com amor. Tem quase tudo haver com posse.
Esta cultura, fortemente marcada pelo compromisso religioso, não se dissolve por decreto lei. Exige paciência, obriga a gente com nervo que não desiste e tem inimigos fortes. Um dos maiores é a retórica política. Outro é o aparelho ideológico do Estado.
Cada passo institucional fica sempre no meio-passo. Cada tirada em comício esfuma-se quando chega a hora de decidir. Dá votos mas não garante acções consequentes. Veja-se o caso deste governo. Antes de tomar posse, o Congresso do PS abriu com solenidade, com uma actriz no palco enumerando todos os nomes de mulheres assassinadas e os delegados em pé, escutando em silêncio reverencial esse momento simbólico.
Quem acreditasse na propaganda, seria capaz de jurar que era uma das bandeiras do futuro governo. Como se pode ver, agora que se caminha para o final da legislatura, as medidas tornaram-se iguais à iniciativa fundadora. Criou uma Observatório da Violência Doméstica que nunca funcionou. Criou uma lei da paridade que funciona mal. Criou o dia do luto, celebrado há poucos dias, que nada adianta ao flagelo que atormenta a sociedade portuguesa. Decidiu o governo, agora, mais um grupo de trabalho e mais umas medidas avulsas.
Com excepção daquele que unifica num só tribunal a decisão criminal e sobre a tutela de menores, tudo o resto é ganga ineficaz e que não adiante nada ao estado em que nos encontramos. Surpreendemente foi o Bloco de Esquerda que veio defender que a legislação é suficiente e o Governo aproveitou a deixa para anunciar que não se mexe nas leis penais. Isto é, não chegou ainda à tolerância zero contra a violência doméstica. Não admira que as vítimas sejam cada vez mais vítimas e que devemos esperar dias de luta enquanto assistirmos à morte sucessiva de mulheres.