
Os números da criminalidade de 2021 já deixavam bem claro. Os crimes de violência doméstica estão no topo dos crimes praticados em Portugal. Uma tendência que veio crescendo ao longo da década e que, agora, pontifica no cimo da tabela. Acreditando no relatório semestral da UMAR, organização que segue muito de perto esta tragédia, este ano revela para já, a negra notícia de haver dezoito mulheres assassinadas, vinte e duas vítimas de tentativa de homicídio, incluindo crianças.
Os crimes de homicídio a ponta radical do iceberg que revela a violência doméstica. A cumprir-se a lógica estatística, vamos terminar o ano com números que remonta para situações vividas há mais de duas décadas.
Alguém se preocupa com esta terrível situação? No recente debate sobre o estado da Nação, alguém escutou do Governo ou dos partidos da Oposição, uma proposta que fosse, uma palavra de cuidado no que respeita a este assunto?
É certo que vivemos num ambiente de euforia ansiosa premonitória dos dias ruins que já estamos a viver e que se vão agravar nos próximos tempos. É certo que nos despojámos de preocupações sobre os principais assuntos estruturais que obrigariam a mudanças de atitude e a políticas profundas para resolver problemas complexos e profundos. Prefere-se o assunto-espetáculo que dá vida às televisões e nos acossam sem proveito para o corpo, nem para a alma. É certo que os mais instantes problemas que assediam as nossas existências, o aumento de custo de vida, os preços da energia, as dificuldades na Saúde, na renda de casa, na Escola, nos incêndios e abandono rural, sentem-se, vivem-se, mas não se discutem. Ou quando se discutem, testemunhamos o efeito manada com gritos a favor de contra. E que ninguém duvide: a violência doméstica e o homicídio de mulheres é dos mais graves problemas da sociedade portuguesa e, por tal motivo, muito menos dele se fala, pouco se reflete e há quase um esforço coletivo para ignorar ou evitar trazer a tragédia para o debate público. Surgem pensos rápidos para curar uma ferida do coração. Mais prisão, mais casas de acolhimento, mais apoio psicológico às vítimas. E se, por esta vez, arregaçássemos as mangas e fizéssemos o que é urgente para travar esta guerra que a todos diz respeito? E se regressássemos à discussão sobre a finalidade da Escola como o primeiro travão para suster esta epidemia?