
O Manel foi meu aluno. Testemunhei a sua licenciatura e convidou-me para o jantar onde celebrou o fim do seu Mestrado. Não só era um bom aluno. Chamou-me, desde o início, a atenção por ser dono de uma boa disposição primaveril e gostar de cinema. No fim de muitas aulas discutimos realizadores, atores e as grandes fitas do momento. Foi, graças a ele, que decidi ver a Lista de Schindler e bem lhe agradeci o entusiasmado conselho.
A vida separou-nos. Na última década encontrámo-nos, por acaso, duas ou três vezes. Soube que casara, que fora pai, que comprara casa. Sentia genuína alegria quando o encontrava. Não existe melhor prémio para um professor do que saber que os seus antigos alunos voaram e que, nas asas, existem algumas penas que lhes ajudámos a criar.
Já no final do Verão soube notícias dele através de um colega, também ex-aluno, que me deixaram inquieto. Andaria exausto devido ao trabalho em excesso de tal maneira que o nosso Manel perdera o ar brincalhão, o cinema já não o entusiasmava, e o olhar brilhante fora substituído por pálidas e fundas olheiras de insónia.
Prometi que lhe iria telefonar. Porém, a vida prega-nos partidas e, de súbito, a minha saúde também entrou em rodopio e ficaram muitos telefonemas adiados.
Esta semana recebi uma SMS do seu telemóvel. Lembrei-me do telefonema em falta e instintivamente decidi que não iria responder da mesma forma. Era o momento de falarmos. Porém, já não era o Manel. A esposa enviara a mesmo SMS a todos os seus contactos telefónicos.
Esgotado, apesar dos conselhos de quem o amava, dos médicos que o apoiavam, persistia em fazer dois turnos de trabalho até que o cansaço o venceu. Numa triste madrugada de Outubro, o Manel adormeceu ao volante. Para não acordar mais.
Não daria notícia desta história, por habitar a minha privacidade, se não soubesse de muitos jovens trabalham e vivem nas mesmas condições. Chamam-lhe 'burnout', um anglicanismo que significa esgotamento. Meus caros leitores, é tempo de travar. Não deixem que a vertigem de viver atropele os vossos sonhos.