
Bem se pode dizer que a internet transfigurou a noção de um sujeito com o Outro. Fala-se com quem se conhece, com quem se desconhece. Com gente que vive nos antípodas do nosso território. Com gente que se apresenta por escrito e a escrita é o único espelho para conhecer a personalidade de alguém. Há casos felizes. Eu próprio já fui testemunha de um casamento, feito por pessoas que se conheceram pela internet, e dez anos depois parece um casal vencedor, estável e confiantes.
Porém, a maioria das notícias que nos surgem estão associadas a desilusões e a crimes. Já sabemos como os predadores sexuais utilizam as redes sociais à caça de menores, manipulando-os para as finalidades mais abjetas. Porém, para além desta matilha de criminosos, outros casos surgem com frequência entre adultos. Já não são raras as mulheres que, a pretexto de uma aventura, de uma fantasia, para vencer a solidão, são traídas pelas redes sociais. O encontro marcado com o homem desejado muitas vezes acaba em crimes de violação, de ofensas à integridade física ou em roubo. O mesmo se passa com os homens. Aceitam ir ao encontro de uma putativa princesa e cai-lhes o diabo na rifa. Ela surge, escondendo o cúmplice, e no momento mais propício desencadeiam-se uma sucessão de crimes onde não falta o homicídio.
A rede social cria a ilusão do conhecimento mas não é conhecimento. Cria a ilusão de que falamos com amigos (é o ícone que milagrosamente forja uma amizade falsa), de que estamos acompanhados, de que, depois de muitas conversas e muitas fotos, parece que é mesmo um amigo. E não é.
A amizade é uma construção afetiva e social. Não se decreta eletronicamente. Conduz a entreajuda, ao conhecimento dos corpos, à presença em vez de aparência da presença. A compreender lágrimas e sorrisos em vez de emojis tão supérfluos quanto indiferentes. Fica o alerta. Não troque um abraço onde sente o desejo e o afecto, por um boneco amarelo com um beijo em forma de coração. Essa ilusão pode ser o princípio de um crime contra si.