
Não é já possível fazer comparações entre o tempo do Estado Novo e aquele que vivemos em Democracia. Só os mais velhos (com sessenta anos ou mais) têm consciência histórica do que era vivera em ditadura. Temos memórias mas não há termos de comparação para a maioria dos portugueses. Porque uma coisa é falar da guerra colonial e outra coisa é tê-la vivido. Uma coisa é falar das prisões políticas, outra, bem diferente, ter vivo a ameaça da prisão por pensar de forma diferente.
Hoje é possível reconhecer a manipulação e a censura manobrada com habilidade, e rosto de aparente independência, mas a maioria dos jornalistas, escritores, comentadores, encenadores nunca viveu a brutalidade da censura do risco azul a eito. Tudo mudou. Ou quase tudo mudou. Quase meio século de democracia é tempo suficiente para reconhecer que hoje vivemos outro tempo diferente daquele que o Estado Novo viveu.
Estamos no meio de uma revolução como nunca houve outra, por impulso da cibernética, que alterou os nossos padrões de referência primitivos – os conceitos de espaço e de tempo. Hoje somos cada vez mais o mundo global, cada vez menos a hora e o minuto. Somos cada vez mais o instante. Acelerámos o tempo e contraímos o espaço. Já não é um novo tempo. É uma nova Idade.
A revolução de Abril surge, neste contexto, como uma memória gratificante. Dias de sonhos e de quimeras. De paixão por todas utopias. De confiança emocionada e comovida. Demos passos extraordinários. No que respeita à modernização do País litoral. À redução da mortalidade infantil. Ao aumento da esperança de vida. Na diminuição drástica do analfabetismo. Do alcoolismo. Da miséria urbana. Passos de gigante que a nova Era desdenha e ignora.
Neste mundo virtual para onde caminhamos rapidamente, já não se discute a luta pela recuperação da dignidade humana. Hoje, o grande desafio é saber como construiremos um futuro com sentido de humanidade da qual abdicámos em nome do prazer, da novidade e do consumo. É o desafio a vencer para que a velha revolução de Abril tenha valido a pena.