
Vão passar muitas décadas antes que as populações das vilas e das aldeias do interior do País para que se esqueçam os terríveis incêndios que o ano passado devastaram matas e florestas, ceifaram vidas e destruíram os bens de milhares de infelizes. Foram dias para esquecer no que respeita à reacção dos instrumentos de soberania, particularmente a Protecção Civil, no apoio às populações. E agora, que chega o relatório da comissão de especialistas que analisou os fogos de 15 de Outubro as palavras que ficam a martelar na cabeça são o ‘dramático abandono’ das populações que ficaram entregues a sai próprias.
É claro que a politiquice vai manipular, contextualizar, descontextualizar, enquadrar, desenquadrar as afirmações que ali estão escritas no sentido de sacudir a água do capote. Nada de novo. É um método que foi inventado por Pôncio Pilatos há mais de dois mil anos. Lavar as mãos de qualquer responsabilidade.
É certo que o governo está a fazer um grande esforço para levar a população a limpar as zonas circundantes a povoações, caminhos e casas isoladas. Retirar combustível das zonas onde o fogo pode ser mais perigoso é uma boa medida de prevenção. Porém, não de perto nem de longe é coisa suficiente para que tragédias iguais não voltem a acontecer. Ninguém se iluda. O cerne da questão é outro. Durante décadas, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX quando se começou a esboçar o arranque da tardia revolução industrial portuguesa, que os campos, as aldeias e as vilas, transformaram-se nas libertadoras de mão de obra para fábricas e empresas que cresceram junto ao litoral e, particularmente, em torno de Lisboa e Porto. O interior do País ficou velho, deserto, pobre, incapaz de produzir riqueza e fixar população. É reverter este caminho que deveria ser o grande desígnio nacional. Uma desafio gigantesco, é certo. Porém, é o único que pode devolver futuro ao Portugal dos fogos e, desta maneira, conseguir sustentar cada incêndio antes de se tornar gigante. Basta que existam populações por perto. Os principais agentes de defesa da floresta.