
Já se suspeitava que ia ser assim. Porém, atendendo ao estado a que chegou o País no que respeita à desorganização institucional, à degradação de sectores fundamentais da nossa vida coletiva, julgava-se que haveria um pequeno tempero de bom senso que arrefecesse a vozearia destrambelhada, o já velho passa culpas, verdadeiro vestido de noiva de todas as campanhas eleitorais, onde se procura a culpa (e a desculpa) como a rainha da festa. É certo que uma campanha eleitoral deveria ser uma festa. Uma festa da inteligência, da criatividade, de propostas concretas para problemas concretos, provocando os eleitores, comprometendo-os com desafios coletivos para o desenvolvimento e progresso do País. Entusiasmando-os, fazendo com que façam parte de desafios que a todos dizem respeito.
Não. Regressámos ao circo habitual. Aos arranjinhos de poder, às promessas disparatadas, ao delírio de alianças evidentes ou escondidas, aos pomposos discursos devidamente usados para sacudir a água do capote, às proclamações vagas, muitas delas sem sentido, ao apelo às emoções mais básicas, às acusações fúteis, à descoberta da frase assassina que se espera sem réplica.
Faltam dois meses e já se percebeu que nenhum dos contendores leu Uma Campanha Alegre, de Eça de Queirós. Já se percebeu que o populismo, tantas vezes apostrofado como o pior dos nossos fados, se instalou definitivamente entre os arautos que semeiam coisa nenhuma, preparando-se para nos deixar mais pobres, mais suplicantes, mais servos do que cidadãos. Alguém leu um programa com a reforma da Justiça? Ou com a reforma da Saúde? Alguém leu algum projeto de combate à desertificação que não seja o mesmo punhado de lugares-comuns que escutamos diariamente? Já existe alguém que saiba como vamos vencer a luta contra a pobreza, a favor dos sem abrigo, a favor das crianças abandonadas ou institucionalizadas?
Cheira mal a orgia de frases feitas, de apocalipses repetidamente anunciados, de gente que olha a política como um lugar que dás umas massas, já sem cuidar da dignidade, do sentido ético, do cultivo da liberdade culta, instruída, que constrói povos insubmissos.
Estamos a dois meses das eleições. Possivelmente, das mais importantes dos últimos anos, cercados de ameaças, de guerra expostas e de outras que querem nascer. É urgente outra conversa sobre desafios futuros. É urgente acelerar o passo. Para que a democracia faça sentido.