Durante décadas, a rainha emérita Sofia de Espanha cultivou uma imagem de discrição absoluta, quase impenetrável. No entanto, por detrás da postura reservada e do rigor institucional, escondeu-se uma mulher marcada por angústias profundas, sobretudo nos primeiros anos de casamento, quando o futuro da monarquia espanhola parecia depender diretamente do seu corpo e da sua capacidade de gerar um herdeiro varão. Um desespero recordado por Pilar Eyre, especialista em realeza, para o 'Lecturas'.
Era o verão de 1967, em Cascais. Numa noite aparentemente banal, ao som de uma música lenta numa boate local, Sofia, então com 29 anos, deixava escapar uma rara confissão de fragilidade. Grávida de apenas três meses, tocava a barriga ainda discreta e murmurava, com amargura, que não lhe parecia justo que outros, sem responsabilidades dinásticas, tivessem filhos rapazes, enquanto ela, que precisava desesperadamente de um herdeiro, tinha apenas duas meninas. A conversa, relatada pelo jornalista Gurriarán no seu livro sobre Juan Carlos, expõe uma das poucas janelas conhecidas para a vida íntima da então princesa.
A pressão não era apenas simbólica. Sofia acreditava estar perante a sua última oportunidade de engravidar, devido às dificuldades sentidas nos partos anteriores. Se não nascesse um rapaz, temia que a possibilidade de Juan Carlos I chegar ao trono de Espanha se perdesse definitivamente. Era uma ansiedade silenciosa, vivida entre sorrisos públicos e noites de insónia.
A vida conjugal estava longe de ser tranquila. Pouco depois do casamento, Sofia regressou à Grécia, alegadamente devido a uma crise de apendicite que exigiu cirurgia de urgência. Mais tarde, viria a revelar que, na verdade, sofrera um aborto espontâneo, numa altura em que procurava apoio junto da mãe após a primeira infidelidade do marido. Foi também nesse momento que ponderou o divórcio, ideia rapidamente travada pela família e pelo próprio Parlamento grego, que chegou a exigir a devolução do dote milionário caso a separação se concretizasse. Sofia regressou a Estoril, resignada, ao lado de um marido infiel.
As gravidezes seguintes, das infantas Elena e Cristina, foram oficialmente descritas como tranquilas, mas a realidade terá sido bem diferente. Complicações médicas, internamentos prolongados e rumores controlados com mão de ferro alimentaram um silêncio cuidadosamente construído. Acredita-se que ambos os partos tenham sido feitos por cesariana, informação nunca assumida publicamente para não levantar dúvidas sobre a continuidade da monarquia. Entre amigas, Sofia chegou mesmo a lamentar que dificilmente poderia engravidar novamente.
Quando finalmente engravidou pela última vez, a pressão tornou-se quase insuportável. O peso de 17 gerações de Bourbons parecia recair sobre si. Segundo amigas próximas, Sofia chorava frequentemente, sentia-se fisicamente mal, dormia pouco e vivia num estado constante de nervosismo. Implorou ao ginecologista por um filho rapaz e recebeu ordens diretas da própria mãe, a rainha Frederica, que lhe lembrava que só um menino garantiria a supremacia do seu ramo familiar face a outros pretendentes ao trono. Até a rainha Vitória Eugénia, desde a Suíça, reforçava o apelo: “Chega de meninas”.
A tensão era tal que Juan Carlos também sucumbiu à ansiedade. No dia do parto, quando o médico atravessou o corredor da Clínica Loreto e anunciou que tinha nascido um rapaz, o futuro rei desmaiou. Ao recuperar, antes mesmo de ver Sofia, telefonou eufórico a Francisco Franco para lhe garantir que o herdeiro era “um homem de verdade”.
O nascimento de Felipe viria a assegurar a linha de sucessão e a aliviar, finalmente, anos de medo e sofrimento silencioso. Para Sofia, no entanto, esse momento marcou o fim de uma etapa vivida sob uma pressão extrema, em que o dever, a dor e a solidão se confundiram com o destino da própria Coroa espanhola.