
Para se perceber como a Justiça não é só cega, surda e muda, esta semana ficámos a saber que também é a burocrata sem miolos que manda fazer porque manda a burocracia que se mande fazer, sem olhar para o lado, sem olhar para a vida e corre para lá dos estreitos corredores das decisões cinzentas e, como é o caso que vamos relatar, com dimensões sórdidas.
A propósito de uma acção judicial interposta por causa de uma herança, um magistrado do Tribunal de Beja pediu ao hospital da mesma cidade que procedesse ao exame psiquiátrico do indivíduo que cedeu os bens para herança. Nada de anormal até aqui. Em questões de partilhas herdadas é vulgar a contenda entre herdeiros que, vulgarmente, terminam em tribunal.
O problema é que o pedido em causa dizia respeito a um homem que tinha morrido. Dir-se-á que o tribunal não sabia. O problema é que sabia, e a serem verdade as notícias que vieram a público, no ofício onde é solicitado o exame até se identifica o número da campa onde ele está sepultado.
Quero admitir, para bem da nossa própria sanidade mental, minha e dos leitores, que tudo não passa de um erro de português, de um pedido mal escrito, onde, talvez, aquilo que o magistrado procurasse no hospital fosse a história clínica do falecido no que respeitava ao tratamento, ou conhecimento, de que sofria de qualquer distúrbio mental.
Lanço a dúvida de propósito. Porque a não ser assim, é assustador pensar que alguém possa ser tão ignorante, tão manifestamente estúpido que acredita poder fazer um exame clínico mental a um cadáver. Porque o problema não é o morto. Somos nós. Já imaginou ter uma acção em tribunal que pode ser julgada por um estafermo desta envergadura? Foi um lapso. Só pode ser um lapso. É a minha fé, a minha convicção. Bom, eu quero que seja um lapso. E se não for?